Prece
Senhor, ergui minha vida
Nos passos da honra
Meus passos foram celestes e serenos
Como uma carreira de formigas
Debrucei-me sobre as paragens da incerteza
E nunca, em momento algum,
Levantei um asco contra o céu
Mas agora, Senhor,
Vai morrendo em mim, à mingua,
Um pedaço do mundo
Cansei-me dos caminhos dignos
E da fome saciada pelos bons
Senhor, aponta-me
Os subúrbios da alma
Onde eu possa aprender
Os gestos dos intrusos
E a arrogância dos sensatos
Quero o amor das pedras
Quero o martírio da paciência
Numa fogueira desolada
Quero ser o juiz como Xangô
Quero inquirir a existência com a altivez
De uma espada empunhada
Pelo povo da noite
Perdoa- me, Senhor, pelos gestos
Atrozes que deixei de cometer
Dê-me uma existência nova
E permita que eu sente ao lado dos trapaceiros
Os mesmos que enganaram a morte
Permita, Senhor, que um som partido
Me conduza pelos terreiros da vidência
E que eu seja pronunciado ao amanhecer
Apenas com as trombetas do silêncio
Mostra-me, Senhor, a outra face do mundo
A que perjura
A que difama
Pela língua dos que mentem
Nascerão orquídeas esfaceladas
Onde uma chuva bondosa
Regará a velhice de suas pétalas
Senhor, ata-me ao início das águas
E conta-me o que há em cada lágrima de Oxum
Abre meus caminhos
Numa relva não há trilhas
Entre a encruzilhada
E o terreiro
Se mede a idade do tempo
A ilha, como dissestes, é o homem
Atormentado pelo galope de viver
Senhor, abandona-me a madruga
Num sonho de Morfeu
Escuta-me um instante
Orfeu negro me acompanha nesta prece
Senhor, leva-me pelos bosques
E deixa-me ouvir a razão dos injustos
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