terça-feira, 11 de novembro de 2008

Prece

Prece

Senhor, ergui minha vida
Nos passos da honra

Meus passos foram celestes e serenos
Como uma carreira de formigas
Debrucei-me sobre as paragens da incerteza
E nunca, em momento algum,
Levantei um asco contra o céu

Mas agora, Senhor,
Vai morrendo em mim, à mingua,
Um pedaço do mundo
Cansei-me dos caminhos dignos
E da fome saciada pelos bons

Senhor, aponta-me
Os subúrbios da alma
Onde eu possa aprender
Os gestos dos intrusos
E a arrogância dos sensatos

Quero o amor das pedras

Quero o martírio da paciência
Numa fogueira desolada

Quero ser o juiz como Xangô

Quero inquirir a existência com a altivez
De uma espada empunhada
Pelo povo da noite

Perdoa- me, Senhor, pelos gestos
Atrozes que deixei de cometer
Dê-me uma existência nova
E permita que eu sente ao lado dos trapaceiros
Os mesmos que enganaram a morte

Permita, Senhor, que um som partido
Me conduza pelos terreiros da vidência
E que eu seja pronunciado ao amanhecer
Apenas com as trombetas do silêncio

Mostra-me, Senhor, a outra face do mundo
A que perjura
A que difama

Pela língua dos que mentem
Nascerão orquídeas esfaceladas
Onde uma chuva bondosa
Regará a velhice de suas pétalas

Senhor, ata-me ao início das águas
E conta-me o que há em cada lágrima de Oxum

Abre meus caminhos

Numa relva não há trilhas

Entre a encruzilhada
E o terreiro
Se mede a idade do tempo

A ilha, como dissestes, é o homem
Atormentado pelo galope de viver

Senhor, abandona-me a madruga
Num sonho de Morfeu

Escuta-me um instante

Orfeu negro me acompanha nesta prece

Senhor, leva-me pelos bosques
E deixa-me ouvir a razão dos injustos

Nenhum comentário: