sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Rumor da Poesia

Rumor da Poesia

O rumor da poesia
Entende o universo
E compreende que a palavra
É um milagre de Deus

A criação de um poema
Caminha na rua

Comigo.

A luz da manhã
Me diz que
As palavras, às vezes, são
As ruínas do tempo

Aprendo que a palavra é inesgotável
Quando dorme ao sol

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Poço

Poço

Hoje sinto-me capaz
De dizer tudo

Sinto-me capaz de cantar a dor dos que caem
No poço
No poço dentro do poço

Cantar aqueles que amam além da conta
E se contentam com migalhas de carícias

Hoje sou capaz de cantar
A partida e o regresso
A incompreensão e a delicadeza

Sinto-me tão capaz
Que posso ainda acordar o sono

Abrir o dia
E deitá-lo nos braços da noite

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

À caminho

À caminho

Passado são migalhas
O futuro é um sigilo

E me contento com isso!

O tempo me resigna

Mas cair é um fato
Voar é uma escolha

Só o presente é voável

Heidegger me observa:

Vou sendo

Sou um poeta à caminho

Meu destino é a intuição
Como um tigre acuado

O passado é uma nesga

O futuro:
Des
ca
minho.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Poema triste

Poema triste

Estou sentado na orla da praia
A tormenta ainda não desabou

O céu retém as nuvens pesadas
Como se estivesse retendo
No peito mágoas amalgamadas

A areia seca conforta meus pés
O mar tange a minha dor
Com seus movimentos bruscos e oblíquos

Um vento lapida meu olhar

Minha tristeza é justa
Como estas nuvens cinzas que pesam sobre o mar

O oceano me protege
Lá no silêncio do horizonte

Toda a tempestade
São as dores que o mar ecoa.

Uma chuva fina
Cobre os meus gestos

Nuvens começam
O regresso

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Elogio ao instante

Elogio ao instante

O instante desaba sobre meus ombros
E sinto uma vontade chorar

Tenho nos olhos resquícios de tristeza

Vazios preenchem meu corpo
Como lírios transparentes

O tempo já sabe as borboletas
Por isso as torna infinitas
Em duas semanas

O tempo sabe ausência do amor

Os homens nascem para a eternidade
E só deixam de ser eternos
Quando deixam de amar

Sinto uma dor
Ao saber que o instante
Nos dias de hoje,
É sempre passado

Mas toda a existência é um instante

Em tempos como estes
Em que o instante não existe
Em que a rapidez
É o que persiste

Resistir é que nos resta.

Resistir é amar.

domingo, 26 de outubro de 2008

Criação

Criação

Aquilo que a imaginação secreta
Me serve de espelhos

Imaginar é mais importante que conhecer

Imaginar é o tempo pelo avesso

A criação não sabe voar para fora
Porque voa para dentro de nós

Beija-flores me exercem

Toda vez que imagino
Um sonho é adivinhado

A criação inventa
A poesia realiza

Criar é ter coragem

Uma chuva sonhada
È o pesadelo do deserto

Existo. Imaginando.

A criação não tem idade
Não envelhece

Como os sonhos

sábado, 25 de outubro de 2008

Ela

Para Deisi
Ela

Às vezes elas me vem
Como uma borboleta
Soletro o seu nome
Como se fossem flores

De dia
Seca os cabelos ao sol

À noite
Inventa palavras pela lua

Corrige minha intuição
Com um sopro de bondade

"A vida é um sonho", ela sussurra

Mais tarde...
Ela veste a madrugada
Com seu corpo de estrelas

Seus olhos choram orvalhos
Abençoando begônias e violetas

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

A poesia provocada

A poesia provocada

A poesia é a aparição da linguagem
Dentro dela residem palavras
Modeladas pelo tempo

A poesia conhece abismos
A palavra exerce o salto

Mas sejamos práticos:
O destino da palavra é nomear
E o que nomeia revela

O mundo se desvenda, palavrando.

Tudo é linguagem
E para mim é o que basta!

A palavra não filosofa
Age sobre vida

Quem filosofa são os homens

Vamos, sejamos pragmáticos!
O destino da palavra é substantivar
A existência

A palavra tatua na língua
A linguagem dos ventos

E o vento precisa ser compreendido
Para equilibrar o vôo dos poemas

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Um poema

Um poema

Um poema não sabe toda vida
Mas sabe algo sobre ela

Pode um poema medir
A eternidade

E a eternidade cabe é na infância de Deus

Um poema convida para
O mistério

E revela a perplexidade
Das coisas findas

Uma poema não diz a verdade
Pressente

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Poema da saudade

Para Deisi

Poema da saudade

Hoje acordei
Com dois poemas
Nos olhos:

Um se partiu ao sol
O outro, consolou-me
A tua ausência

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Longa jornada noite adentro

Para Walt Whitman (parte II)

Longa jornada noite adentro

Muito bem!
Chegou a hora
De esclarecer algumas coisas
Ouçam todos:
Esta noite meus versos irão revelar
A substância que age no mistério
Esta é a noite em que a lucidez cairá sobre todos
Como estrelas cadentes
Despencando do céu em chamas
Esta noite escreverei os versos mais sinceros
Com uma sinceridade que abrange os anjos
Sentem-se, por favor
É que um mistério
Demora para ser contado
A lucidez é a ausência
Do sonho
Só se vive imaginando
Agora estes versos me imaginam
E também vocês vão sendo imaginados
Esta noite vou tentar eliminar minhas contradições
Serei reto como um poema em linha reta
Tentarei ser claro, mesmo sonhando a escuridão
Deixarei de acreditar em Deus
Porque Deus é ausência
Mas Deus é meu herói
(Permitam-me mais esta contradição)
Às vezes, a contradição é a única forma
De se defender contra verdade
Esperem um pouco
Vou abrir as janelas
E ver o mundo por dentro e por fora
Ouvir os sinos da igreja
Lamentando o fim do dia
De agora em diante
A madrugada será minha metáfora
E a de vocês também
Neste instante a ausência de Deus
Nos protege
A madrugada é um segredo
A performance da noite é pelo sonho
Mas esta noite só desejo o simples
Escrevo para os corações selvagens e domados
Quando as coisas são simples
Escuta-se o som das estrelas
Um segredo só pode ser contado à noite
A manhã é lúcida demais para ouvir um mistério
Agora...
Permitam-me que eu descanse
Os sonhos e as palavras
Levantem-se todos
Já é hora de acordar
E se decidirem ir embora
Por favor, apaguem a luz
Mas não fechem a porta

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Palavra

Palavra

Cada palavra é uma história
Há em cada uma delas uma vontade
De ser livre

Toda palavra tem sua verdade

Mas só desejo a palavra sonhada
Aquela que revela o segredo das mariposas

Todos os seres sonham seus
Passados e futuros

Palavras sonham gerânios

Toda palavra é um poema
Uma obra contida em si

É ela que me gera
E me põe em contato com
O fundo das estrelas

domingo, 19 de outubro de 2008

Sobre a metáfora

Sobre a metáfora

Só a metáfora pode domar o tempo
Porque é nela que as horas repousam
A metáfora conhece a vida íntima de Deus

E o poema sabe disso.

Deus é um segredo meu.

Para mim Ele já está revelado

E o que posso dizer
É que Deus trabalha à noite
Sonhando o futuro

(A metáfora é a língua do tempo)

Mas a noite já sonhava
Com seu nascimento
Antes mesmo de ser sonhada

Às vezes, Deus vai dormir dentro do mar
Porque o mar é o profeta das metáforas

sábado, 18 de outubro de 2008

Rito

Rito

Nascer um poema exige ritos
Uma certa cerimônia com as estrelas
Uma observância na índole da noite
E um certo sentimento de mar

(Preciso, às vezes, beliscar um anjo de Rilke)

A travessura das crianças
Também me preparam para um poema

A intuição é a conciliação
Do homem com a poesia

O clarão é a rotina do poeta

Acho que não tenho um estilo
O estilo sou eu mesmo

Minha obra é a minha relação
Com a vida

E a vida é um instante
E um poeta deve saber disso

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Reflexo

Reflexo

Reter o tempo num espelho
É refletir a luz sincera
Que revela os horizontes

A imagem do tempo
É também a minha

A noite é uma dor refletida
Refazendo minha face
A cada dia

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O rugido da memória

O rugido da memória

Minha memória
É um leão ferido
Passeando sobre o coração
Rugindo vestígios
Sobre a relva da alma

Mas um leão ferido
Ainda é um leão

Mesmo cambaleando
E acossado pela
Dor

Um leão é capaz de atacar
Dentro da noite
No sonho dentro do sonho
Na lucidez dentro da lucidez

Minha memória é um rugido
Acometido pelo tempo
Minha memória
É a sobrevivência da fera
Em movimento

Deus envelhece na sabedoria do leão

Minha lembrança é um Deus envelhecido

Todo leão carrega nos olhos
O instinto de ser sábio

A memória do leão sonha
Hienas, lebres e coelhos

Mas pode sonhar também
Lírios selvagens

Minha lembrança são esses lírios

A ferida num leão
É uma dor que repousa no tempo

Mas um leão ferido
Ainda é um leão

E ataca.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Preguiça

Preguiça


O sol derrama sua ternura sobre mim
Levantar da cama é sempre um acordo
Com a preguiça

(Arrumar a cama
é prever o dia)

Um passarinho pousa na janela
E escuta o repouso dos meus sonhos

Depois leva no bico
Um pedaço de palavra adormecida
E dá de comer aos filhotes

E estes hão de espalhar
Seus cantos
Para nascer madrugadas

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Perder o tempo

Perder o tempo


É preciso perder o tempo
No sossego das lesmas
Desmanchar a pressa
Num amor demorado

Perder o tempo
É por a alma em movimento

Agora me despi
Do hálito das horas

Agora perco o tempo
Em folhas caídas
E em tardes sussurradas

Deixo o tempo
Na pressa da chama

E depois...

Me permito poemar
Na cama

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Destino

Destino

Icei a vela
Do barco de mim mesmo

Carregando a vontade
De um lampejo
Onde tu pressintas minha chegada

Teu continente é o meu destino
Teu coração
Minha morada

domingo, 12 de outubro de 2008

Noturno

Noturno


Meus olhos mergulham noite adentro
Depois emergem do profundo
Ouço pássaros na sombra
Ouço cantos
Eles anunciam a lucidez do dia
E enquanto adormeço serenamente
A noite me sonha

sábado, 11 de outubro de 2008

Céus de rapina

Céus de rapina


Meu coração
É o céu
Onde voam
Aves de rapina

Na direção selvagem
E repentina
Sons e ventos
Milagram
A fúria das nuvens

Meu coração
Galopa céu adentro

A paz está selada
Meu coração é sossego
Depois da
Tempestade instalada

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Poema sonhado

Para Adélia Prado

Poema sonhado


Sinto um sono justo
Que me percorre a espinha

Um sono profundo

Adormeci meus
Pensamentos
Na cama quente
Dos sentidos

Um poema nasce
Sonhado

Deus acomoda
Meu abandono
Entre as mãos
E um vento sussurrado
Me desperta entre os seus vãos

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Oração

Para Deisi

Oração

Teu sussurro é uma oração
Pondo em movimento
O espirito das pedras

Teu verso sagrado
Excita a madrugada
Orvalhando as manhãs

E o perfume que exalas
Salva o dia
Protegendo o amor dos pássaros
Nas tardes quentes de verão

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Pergunta 3

Pergunta 3


Onde o mar descansa
Depois de fazer amor com a praia?

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Farol

Farol


Minha tristeza é solitária
Como um cão molhado
Vagando pela chuva

A solidão é um farol apagado
Mar aberto
Poema calado

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Um poema também morre

Para Monsieur Teste e Paul Valéry

Um poema também morre

Um poema também morre
Quando, no fundo da estante,
Permanece fechado

Um poema morre
Quando a poeira conforta suas palavras
Ou quando o esquecimento é sua rotina

A morte de um poema
É a palavra de abismo
É a perda dos sentidos

Fim intelectual
Marcha fúnebre do sentimento

domingo, 5 de outubro de 2008

Mensagem

Mensagem

Mar,
Recolhe as palavras
Que o vento deixa cair
E com elas elabora
O movimento das marés

Com a língua das águas
Marca a terra
Com um verso longínquo

Depois, guardas um
Poema numa concha
E envia aos homens
Através das ondas
Como se cada estrondo
Fosse uma estrofe de Camões

sábado, 4 de outubro de 2008

Beatriz

O espetáculo "Beatriz - a beleza e tristeza" está de volta. Lá na Usina do Gasômetro. A peça é inspirada num conto de minha autoria e em dois poemas: um da Gerusa Marques e outro, do Diego Petrarca. Assisti ao espetáculo duas vezes, e ver o próprio texto adaptado para o teatro não deixe de ser algo prazeroso. Tenho a noção de que toda a adptação de um texto literário transforma-se em outra obra. Claro que a tentação de comparar é quase inevitável. Portanto, as "Beatrizes" tanto a do meu conto, quanto a da peça carregam o mistério que cerca o universo feminino e a sua idealização através universo masculino ou como bem escreveu Antônio Hohlfeldt em uma crítica sobre a peça: "A idealização dessa Beatriz às potenciais imagens que Beatriz poderia assumir desdobram-se imagens do feminino, do humano, da beleza e da tristeza". No entanto, o que se passa em meu conto é na verdade uma Beatriz incompreendida, que abandona o marido "não para fugir dele, mas dela mesma".
As pessoas que leram o conto tem me perguntado quais seriam os motivos que levaram Beatriz a abandonar o marido já que viviam uma vida tão bela e intensa, e eu respondo que não sei, porque é uma questão que só ela pode responder. Talvez a Performance de Fernanda Carvalho Leite responda um pouco por esta questão já que lá pelas tantas, no espetáculo, ela pergunta para onde Beatriz teria ido e quais teriam sido os seus motivos elencando, assim, uma série de possibilidades para a personagem.
O espetáculo é poético, sem dúvida, a música tocada ao vivo e a dança tornam a peça tanto bela como triste, bem como sugere o título.
E cumprindo a minha aposta comigo mesmo, aí vai mais um poema:
Chuva
A tristeza começa no silêncio
Gotas no zinco
Comovem pássaros e árvores
Encosto palavras no vidro da janela
Os olhos desenham o frio
No vidro embaçado
Mãos silenciosas tecem o céu cinzento
Desamparo e sossego caem sobre os telhados
O vento acena com folhas de laranjeira
Aqui dentro a ausência perdura
Mas lá fora a chuva é passageira

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Pergunta 2

Pergunta 2

Onde o oceano guarda
As sombras da lua?

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Ulisses negro

Para Homero


Ulisses Negro


Quando Ogum tocou o mar
Trazia nos olhos
A vertigem das ondas
Nas mãos, a coragem da espada
E nos gestos, a solidão do vento

Jangada de pedra
Pedaços de África
Navegam sob seus pés

(Que em terra não se navega o equilíbrio)

Com a espada risca o sol
E parte o dia em dois
As mulheres do mar verdejavam
Sobre as águas

E toda a mulher que entra no mar
Torna-se encantada

Ogum nunca tapou os ouvidos para as sereias
Ao contrário; ouviu-as e depois cantou para elas
Um canto triste
Alegre e pungente
Como a voz de um atabaque

"Minha voz é um sopro
no ouvido do mundo"

À noite, Ogum avança
Cingindo as águas
Em sua memória
Abraça as sereias
Salvando-as
Da dor do esquecimento

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Profundidades

Para João Cabral

Profundidades


Há mais profundidade
Na resistência das rochas
Que no fundo do mar