terça-feira, 30 de setembro de 2008

Vento sóbrio

Vento sóbrio


O vento sóbrio da primavera se pergunta:
De quantas saudades são feitas as plantas?
E quantos desertos
Cabem na alma de Deus?

O tempo ensina:
Flores são belas
Porque ultrapassam a dor de crescer

A terra colhe
Uma pétala esmaecida
Que flores só são lembradas
Ou quando são roubadas
Ou quando são esquecidas

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Aprendizagem

Aprendizagem

A aprendizagem da noite
É pelo sonho
Ouvir o mar é da infância

Viver é saber a noite
Antes que anoiteça

Saber o mar é da velhice

domingo, 28 de setembro de 2008

Sartre e as palavras

De tudo que Sartre escreveu, talvez o mais significativo não esteja no seu tratado existencialista, ou nos romances, nem em suas peças e contos. Mas num livro de memórias chamado "As palvras" (le mots). Trata-se de um relato poético sobre a sua infâcia e o seu amor pelos livros. Há em todo livro frases desconcertantes como: " os livros foram meus passarinhos e meus ninhos, meus animais domésticos, meu estábulo e meu campo: a biblioteca era o mundo colhido no espelho e tinha sua espessura infinita" ou "Eu achara a minha religião: nada me pareceu mais importante do que um livro".
No entanto, a frase mais pertubadora é "comecei minha vida como hei de acabá-la, sem dúvida no meio dos livros". Pertubadora, porque o amor pelos livros pode ser algo perigoso a ponto de acabarmos por trocar as pessoas pelos livros. No meu caso é diferente, talvez eu acabe no meio dos livros por outro motivo, talvez eu a Deisi sejamos, literalmente, soterrados por eles neste exíguo apartamento.
Neste sentido, acho que Sartre tem razão.

Para Deisi

O mundo gira quando



Cada vez que tu despertas
Deus entende
Que é sempre primavera

O teu olhar amanhecido
Pinta o céu
No azul mais profundo

Teu sorriso
Desabrocha as flores

E o teu singelo gesto
De levantar
Põe de volta
O mundo a girar

sábado, 27 de setembro de 2008

Indiferença

Indiferença


Hoje não estou para poemas
Estou para pássaros
Para chuva
Para o sono
Para o bocejo ou
para o sonho

Não me falem em poetas
Não me abram os livros
Não me leiam os versos

Hoje um tomo do Bandeira
Me caiu na cabeça
Poesia não perdoa indiferença

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

constatação

Constatação:

O mar também envelhece.
As ondas são memórias

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Oásis

Para Deisi


Oásis


Teus olhos são oásis
Onde o universo descansa

Enquanto o passado
Se preocupa com
Os vestígios do tempo
Tu acomodas
O mundo em tuas mãos
E nele, sopras as nuvens
Que limpam o céu

E este céu é teu!

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Quando te despes

Para Deisi

Quando te despes


Quando te despes
O mar inteiro se abre
Cada vez que te desfolhas
O vento te sonha

O mar é teu segredo

Na ponta dos teus dedos
Ordenas as ondas que,
Em tua homenagem,
Já nascem sem medos

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Singelezas

Às vezes, a singeleza das crianças me causa espantos. Esses dias, em uma aula com meus alunos da 5º série, solicitei a eles que escrevessem poemas para as pessoas que mais gostavam. Algum tempo depois, um menino me chamou reclamando que não conseguia escrever uma só linha, nada, nenhuma palavrinha. Disse a ele que tentasse qualquer coisa, qualquer palavra. Mas não adiantou. Assim, o período passou e ele ficou segurando o queixo com a palma da mão. No final da aula ele veio falar comigo:
"Sor (professor) como é que a gente aprende a ser poeta?"
Foi uma pergunta, assim, a queima roupa. Como responder? Pensei em dizer que isto não se aprende na escola, que não existem estudos para formar poetas. Mas não disse. Precisava de algo mais simples para dizer. No entanto, ele estava ali, me olhando, pedindo minha opinião:
"Acho que ser poeta é gostar da vida" eu disse
E ele, com um sorriso traquinas, respondeu:
"Então eu já sou poeta, porque eu gosto da vida, principalmente na hora do recreio".

Sobre as lições de um poema


Um poema não dá lições
Um poema acontece
Dele emerge a solidão do mundo
E o amor pelas coisas

O poema nunca estabelece
Um poema provoca, alucina e desarvora

Mas poema é sossego
Deliciosa vertigens dos espantos

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Mundo

Para Bernardo Soares

Mundo


Não há como dizer que não vi o mundo
Eu vi!
No entanto, meus versos perdem a voz
Diante da vastidão
Queria ser como Fernando Pessoa
Que viu tudo que valia a pena ver
E entendeu-as,
e sofreu-as,
e amou-as
com desassossego e desamparo

domingo, 21 de setembro de 2008

Amores difíceis

Ando lendo alguns contos do livro "Amores difíceis", do Ítalo Calvino, uma bela obra, com certeza. Creio que algumas frases deste livro vão passar a morar dentro de mim. Por exemplo no conto "a aventura de um poeta" onde um casal passeia de barco rumo a uma gruta de rara beleza. Usnelli, o poeta, pedia para ir mais devagar pois "desconfiado (por natureza e por educação literária) em relação às emoções e às palavras de que os outros já se apropriaram, acostumado a descobrir mais as belezas escondidas e espúrias do que as óbvias e indiscutíveis(...)"
O que Calvino nos mostra com isso é que beleza pode estar escondida dentro dela mesma, ou seja, os olhos do poeta devem ir além do óbvio, desconfiar das palavras fáceis, dos sentimentos fáceis para, assim, descobrir novas belezas ou permanecer atento quando elas se revelam.


Asas

Poemas são asas
A espera de pássaros

É dolorosa a jornada das aves sem asas
Que, por não conhecerem o céu,
Ainda migalham metáforas pelo chão

sábado, 20 de setembro de 2008

Antes do mergulho

Antes do mergulho

Antes do mergulho
Pressentir que a sabedoria do mar
É gerada pela noite
No afago com o mistério

Não esquecer
Que a memória dos mares
Cintila nos rastros dos peixes

Aprender que o mar
Não se guarda senão nos olhos
Ou no deserto do amor

quinta-feira, 18 de setembro de 2008

Repouso

Para Deisi

Repouso

Dorme, querida, dorme
No meu peito repousa teus sonhos
Escolhestes minha ternura como tua morada
Mas ai de mim!
Que sou tão pequeno diante da beleza
Que carregas

Dorme, querida, dorme
Dorme dentro da noite e sonhes
Girassóis ao teu redor
Caminhe em silêncio até um lago
E veja o reflexo que enternece a vida

Depois, ao acordares, não me olhes
Por um tempo não me olhes
Pois ainda estarei desfigurado
Estarrecido, fraco por não entender
Tanta a beleza adormecida
Em meu peito

Pergunta

Pergunta 1

Onde o mar sepulta
O abandono das sereias?

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

como lidar com leões

hoje lendo uma entrevista da pensadora argentina Beatriz Sarlo, encorajei-me mais um pouco em levar a cabo o projeto deste blog. Beatriz diz que manteve um blog secreto, que só ela acessava, como um diário, disse também que só manteve-o por questões formais, por um comprometimento regular com a escrita. Fiquei pensando que manter a regularidade é o mais difícil, pois regularidade é ultrapassar as dificuldades da vida prática, do cansaço, da preguiça, da dor de cabeça, dos problemas familiares, dos compromissos no trabalho. Sobretudo, escrever poemas, carrega um peso a mais. Poema é dizer o máximo com pouco, às vezes, muito pouco. É, portanto, uma "luta corporal", como diria Ferreira Gullar, uma luta com as palavras, no meu caso uma luta diária.

para Walt whitman

Como lidar com leões
As pessoas têm vindo
Reclamar-me do mundo
Eu as escuto, paciente
Enquanto a mim, nunca reclamo
Eu não me lamento
Porque não sou um poço de lamentações
Também não peço nada a Deus
Nunca peço, só agradeço
Lido com meus fantasmas
Como um domador lida com seus leões
Com os olhos sagazes e firmezas nas mãos
Leões não me assustam

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Pena

Segue mais poesia:

Pena

Minha sensibilidade é uma pena
Desgarrada de um pássaro selvagem
Flanando no tempo e no espaço

O vôo efêmero da pena é ainda
O que há no fundo das coisas eternas

A pena flana sobre a beleza e sobre a dor
O vento triste orquestra seu caminho
Ao cair, leve, triste e sossegada
Vive, ainda que imóvel,
No calor do vôo e no sentimento do tempo,
A experiência dos que só conhecem o chão.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Depois de uma noite

Creio que, depois de uma noite, me dei conta da dimensão do meu compromisso com este blog: 1 poema por dia, durante seis meses, o que no fim das contas vai dar quase uns 200 poemas. Para tanto, preciso de fôlego, não de inspiração. Não acredito em inspiração, acredito na pré-disposição, no trabalho artesanal da escrita. Na seriedade quanto tecitura poética. Desculpem-me se no caso houver uma falta de rigor nos versos, pois o que me importa talvez não seja o mar, mas o mergulho.
Portanto, aí vai mais um:

Para Deisi
Tarde

Longa é a tarde na ausência do teu rosto
Cedo é a noite, quando entre cheiros,
Me perco no labirinto
Do teu corpo

domingo, 14 de setembro de 2008

sobre o blog

Há algum tempo que tenho pensado em manter uma rotina quanto a escrita, visto que sou um baita preguiçoso pra isso, bom este blog é pra isso: me comprometi a escrever todos dias, ou melhor, escrever um poema por dia durante seis meses. É um plano quixotesco, eu sei, mas sigo as palavras de Osman Lins que diz "Em literatura, é inadmissível planos modestos". É quixotesco porque escrever um poema por dia exige uma certa seriedade com a escrita (coisa que pretento aprender a ter), o que vai me obrigar a manter um olhar mais atento diante das coisas e olhar a vida mais honestamente.

Bom, quanto ao título do Blog... é o título de um conto meu chamado "A beleza e a tristeza" que foi destaque do concurso Palcohabitasul em 2006, depois foi adaptado para o teatro pela Debora Finocchiaro e encenado pela Fernada Carvalho Leite em 2007, lá no Teatro São Pedro em 2007 e 2008.
Aqui vai o endereço de um trecho da peça "Beatriz - a beleza e a tristeza"
http://br.youtube.com/watch?v=41Pk7AR31uI

E aqui vai mais um poema:

A pátria das palavras

A poesia é a minha pátria
Na qual minha alma cresce
Hoje um poema me salvou
Porque me deu um universo onde morar

Um poema é isso:
Um lugar para existir
Uma casa e um quintal com girassóis

Meu corpo é a pátria dos meus versos
Às vezes cultivo palavras
Noutras, nasço universos

sábado, 13 de setembro de 2008

Só pra começar...

Mergulho em mar aberto

Meus pensamentos são sonhos
Que se desfolham em palavras
Depois de seladas na língua
Sonhos são poemas atravessando a lucidez

Agora, meus pensamentos
São pétalas vermelhas jogadas ao vento

É no mar que elas repousam

Meu pensamento vaga na imensidão do incerto
Meu pensamento é um mergulho
Em mar aberto