segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

No fim das contas, todos nós carregamos palavras guardadas. Algumas são ditas, outras morrerão dentro de nós. Algumas são impedidas de nascer. Outras se escodem. Mas há aquelas que saem para o mundo e para as pessoas. Palavras vivas espalhadas sobre os telhados e sobre a dor dos outros.

É sobre estas palavras guardadas que o conto a seguir vai tratar.

O leitor, se tiver paciência, vai encontrar a cada semana uma parte do conto.

Eis o primeiro trecho:
“Vou dizer-te algo em segredo. Esta é a hora das grandes confidências. De dizer grandes coisas ao ouvido: Não diria a qualquer um, mas a ti, sim, te digo. Escuta”

Walt Whitman

Há muitas maneiras de se guardar um passado. Cada um guarda de um jeito. Tem gente que guarda fotos, jóias de família, roupas. Eu não, eu guardo palavras, não em palavras escritas mas em palavras vivas, dessas que a gente adormece no corpo para acordá-las quando precisamos viver um passado. Não vou mentir, também tenho essas coisas de objetos, mas é diferente pois eles não servem para serem guardados. Os objetos servem só para gente lembrar, não para viver. Agora, o que eu posso lhe adiantar é que meus acontecimentos não mudaram o mundo Se ao senhor interessa uma vivência assim; sem importância; posso então dizer que minha vida não teve fortunas. Talvez minha travessia seja apagada depois que lhe contar esta história, pois são estas palavras guardadas é que sustentam minhas pernas. Minha travessia pela a vida é nula. Talvez possa, assim, o senhor, explicar uma vida que nem a minha. Saiba me dizer também para que serve o viver se morte sempre vem. Quando eu morrer, não precisarei deixar cartas explicando meus dias, minha pele diz tudo, meu rosto é minha identidade. Vê, ali, minha mulher no retrato? Pois ela foi antes de mim. O senhor acha que ela precisa de uma carta explicando alguma coisa? A história de uma pessoa cabe nas marcas da pele. Cada vez que um vento bate no rosto, a gente aprende a guardar um passado. Um dia Deus levou minha mulher, pois Deus é assim; nos abençoa uma vida e depois nos arranca para mais adiante plantar de novo dentro da gente, mas Ele planta diferente. Planta a dor, planta saudade. Deus é uma invasão que a gente consente pra se acostumar com a tristeza. A tristeza é um jeito conformado de sentir a dor. Por isso que eu prefiro o desespero. Ora, o desespero ainda é um grito contra o irremediável, ainda é um protesto. Desespero é coragem.

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