terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Breve reflexão sobre o abandono

Estive refletindo sobre a utilidade dos livros que existem em minha casa. Certa vez, um amigo que não via há muito tempo pôs os olhos em meus livros e perguntou se realmente todos aqueles exemplares me foram úteis, pensei, demorei um pouco a responder. Após alguns instantes respondi-lhe que não, que bem pelo contrário, que todos aqueles livros ali, repousados na estante, me haviam sido de uma completa inutilidade, pois, as coisas sem função sempre me atraíram, um livro está para mim num tempo depois da utilidade. Talvez no tempo da delicadeza. Eu explico.
O poeta Manoel de Barros em sua obra “livro sobre nada” exemplifica o que estou tentando dizer. Em algum poema ele disse: “Um vaso abandonado pode um dia milagrar violetas” ou ainda “o abandono me protege”, isto é, as coisas sem utilidade social servem para a arte e para poesia, pois, é o abandono das coisas que protegem o poeta e o artista da banalidade social.
Ontem mesmo, ao observar um relógio com os seus ponteiros parados, comprovei isso. Fiquei poeta; percebi que um relógio estragado é uma afronta, é um protesto contra o tempo inventado pelos homens, porque cada silêncio de um ponteiro parado é uma elegia às horas mortas. Um relógio estragado ilude o atraso, dói o tempo. Exerce eternidade.
Ao iniciar uma aula de literatura, em uma turma nova, sempre faço a seguinte pergunta; “para que serve literatura? Qual a utilidade de um poema?” Há um silêncio inicial. Depois, alguns poucos tentam provar que a literatura ou um poema servirão para alguma coisa no futuro. É neste momento que digo colocando um tom grave em minha voz: ”pois querem saber? Tanto a literatura quanto um poema não servem para nada”. Então, todos se sentem incomodados com minha resposta, mas continuo: “Sim, não servem para nada, mas servem para tudo”. E quando tenho total atenção de todos, explico que a poesia não tem função social, não é como uma nota de dinheiro, não é um liquidificador. Neste sentido, poesia não tem utilidade nenhuma. No entanto, é ela que revela o mundo, tudo aquilo que os cientistas querem provar com suas teses e pesquisas o poeta já sabe há muito tempo. Só o poeta e o artista conseguem ver a vida. Só eles conseguem tocar seus próprios limites, pois, conhecem todas as solidões, profundezas e as angústias humanas.
Mas voltando aos livros, sempre que compro um livro não penso em que ele me poderá ser útil. Faço outro raciocínio; penso em como poderei vivê-lo, senti-lo, porque viver um livro é muito mais necessário e importante do que encontrar-lhe uma utilidade. Busco, em última instância, a sabedoria primordial, aquela que se esconde no fundo das coisas impalpáveis. Ao ler um livro não tenho um objetivo aparente, meu objetivo é subjetivo. Em livros técnicos, quando bem escritos, encontramos uma frase tão bela e significativa quanto a metáfora de um poema.
Portanto, é no abandono da utilidade que encontramos o milagre da poesia, conhece-se, enfim, as coisas que estão nas entrelinhas do horizonte e na lucidez de um livro.

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