sábado, 26 de fevereiro de 2011

A beleza e a tristeza na arte da demora


“A gente nota as coisas quando presta atenção”
Do Filme Amor à flor da pele


O chamado novo cinema oriental tem alcançando o reconhecido de público e crítica. Podemos levar em conta esta afirmação a partir de filmes como O tigre e o dragão, de Ang Lee, Herói, de Zhang Yimou, As coisas simples da vida, de Edward Yang, Casa Vazia, de Kim Ki-duk, Amor à flor da pele, de Wong Kar Wai, entre outros.

A expressão cinema oriental, talvez incomode um pouco na medida em que ela funciona mais como uma classificação geográfica do que estética. Pois está claro que a produção dos filmes citados apresentam histórias distintas e complexas, e em cada um deles encontramos propostas bem diferentes uns dos outros. Além disso, precisamos ter sempre cautela ao utilizarmos o termo oriental, para não cairmos na tentação pré-fabricada e artificial que nos é dada sobre o Oriente.

O espectador desavisado corre o risco de perder a paciência com o filme Oriental e sair do cinema dez minutos depois de iniciada a sessão. Não porque o filme não tenha qualidades para prender a atenção, mas por que talvez este espectador ainda conserve em seu imaginário um oriente “verdadeiro” e que esperava encontrar um filme exótico, pitoresco, cheio de lances de ação como nos filmes de Bruce Lee (que já é uma produção ocidental).

O livro Orientalismo de Edward W. Said, que faz um excelente apanhado histórico-social de como o ocidente inventou o oriente e cristalizou este imaginário, evidencia o quão é forte o resultado da visão ocidental sobre o oriente e como isto dificulta a percepção real destes países

O filme Amor à flor da pele, talvez sirva para desmistificar o imaginário do verdadeiro Oriente. A produção de Wong Kar-Wai revela um oriente com temas muito próximos aos filmes ocidentais, entretanto, isto não quer dizer que o filme seja uma ocidentalização do oriente, e nem tão pouco estou utilizando o ocidente como parâmetro, mas porque a forma estética é, de certa maneira, universal. Quando falamos de universal, estamos colocando de lado espaços geográficos, políticos ou sociais, e dando lugar ao Humano, a contribuição para humanidade.

Claro que não se procura aqui idealizar o cinema do Extremo Oriente como uma espécie paraíso cinematográfico. Mas quero chamar atenção para uma reflexão que busque fugir da visão Eurocêntrica. Já que muitas vezes a representação do cinema sobre oriente sempre serviu para ratificar a visão verdadeira do Oriente.

Não há nada de errado com olhar exótico, já que é através dele que modelamos nosso olhar com o novo, com o desconhecido. O exotismo é o primeiro impacto com uma cultura estranha à nossa. O problema reside em tomar o olhar exótico como a verdadeira representação de uma cultura, isto é, um olhar que se prende a superfície pois não é capaz de aprofundar ou de pelo menos desconfiar do primeiro contato.

Amor à flor da pele se passa na Hong Kong dos anos 60. Nele os dois Protagonistas; Sra. Chaw e Sr Chow vivem crises em seus casamentos. Até que em determinado momento descobrem que estão sendo traídos por seus cônjuges. Daí por diante os dois tentam uma aproximação não apenas com o sentimento de vingança, mas porque a própria solidão de ambos os empurra para que troquem afetos. No entanto, a solidão não é o suficiente para que consumem o seus desejos, pois como diz Sra. Chaw: Não seremos como eles. Isto é, o desejo entre os dois deveria surgir não pela vingança, não pela solidão, que para eles parece indigno, mas de algo sincero e verdadeiro.
No entanto, este desejo é frustado, porque cria-se a impossibilidade da paixão já que ambos estão presos a seus cônjuges. O título do filme mostra um Amor que está à flor da pele, ou seja, um amor que está sensível ao toque, mas fechado ao coração.

É curioso como Wong Kar-Wai representa esta prisão, já que em momento algum ele nos mostra os cônjuges. Há uma espécie de apagamento identitário dessas figuras. Como se fossem as sombras do Sr Chow e da Sra. Chaw. Mas são essas sombras que intensificam o sentimento de abandono, de indiferença nos protagonistas e por isso não se permitem a consumar a paixão.
Anos se passam, no entanto, a Sra. Chaw continua casada, tolerando a traição e a indiferença do marido. Quanto ao Sr Chow, separou-se. Kar-Wai poderia ter optado por enfatizar dor e amargura do gênero feminino, talvez colocar em discussão as armadilhas que um casamento pode se tornar para uma mulher, como diria Simone de Beauvoir, já que o filme se passa nos 60, momento em que o feminismo ganha força. Mas acredito, que isto não precisa ser dito ou enfatizado, pois o próprio desfecho do filme dá conta disso.

Creio que Kar-Wai vai além dos clichês das figurações de gênero. Porque cria uma atmosfera de desilusão e carência que permeia a sociedade contemporânea. E que portanto atinge tanto mulheres quanto homens. Para isso, o diretor utiliza a observação voyerística, captando em close-ups, roupas, gestos olhares, a fumaça dos cigarros, a mão que escorrega no ombro, ou simplesmente a chuva que cai na parede.

Embora seja difícil caracterizar esteticamente o cinema do extremo oriente, podemos, talvez, traçar em linhas estéticas centrais a bordagem de filmes dessa região, sobretudo em Amor à flor da pele. A primeira, e talvez a maior característica deste cinema seja a dilatação do tempo, a preferência de longas cenas que é um movimento contrário ao da compreensão promovida pelo cinema norte-americano.

Em segundo, podemos dizer que Kar-Wai, propõe uma reeducação do olhar e, assim, recuperar o tempo de permanência do olhar. Amor à flor da pele permite que o espectador passeie os olhos pela tela, estranhe o deslocamento sonoro no espaço, estranhe a demora de um close-up sobre a fumaça, sobre a névoa, justamente porque o cinema perdeu a capacidade de observar o mundo. Porque a vida não é aquela de imagens de vídeo clipe onde não há lugar para a contemplação. Amor à flor da pele é uma celebração da observação. Pois as imagens traduzem sentimentos onde a palavra não chega.

O clima de lassidão fica por conta do bolero tocado em diversas cenas. O filme é uma poética da contemplação. Onde observamos a beleza e a tristeza na arte da demora, e que é um modo de desacelerar este ritmo frenético que a vida contemporânea quer nos impor.

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