domingo, 27 de fevereiro de 2011
Segunda parte do conto "Palavras guardadas"
sábado, 26 de fevereiro de 2011
A beleza e a tristeza na arte da demora

Do Filme Amor à flor da pele
O chamado novo cinema oriental tem alcançando o reconhecido de público e crítica. Podemos levar em conta esta afirmação a partir de filmes como O tigre e o dragão, de Ang Lee, Herói, de Zhang Yimou, As coisas simples da vida, de Edward Yang, Casa Vazia, de Kim Ki-duk, Amor à flor da pele, de Wong Kar Wai, entre outros.
No entanto, este desejo é frustado, porque cria-se a impossibilidade da paixão já que ambos estão presos a seus cônjuges. O título do filme mostra um Amor que está à flor da pele, ou seja, um amor que está sensível ao toque, mas fechado ao coração.
Anos se passam, no entanto, a Sra. Chaw continua casada, tolerando a traição e a indiferença do marido. Quanto ao Sr Chow, separou-se. Kar-Wai poderia ter optado por enfatizar dor e amargura do gênero feminino, talvez colocar em discussão as armadilhas que um casamento pode se tornar para uma mulher, como diria Simone de Beauvoir, já que o filme se passa nos 60, momento em que o feminismo ganha força. Mas acredito, que isto não precisa ser dito ou enfatizado, pois o próprio desfecho do filme dá conta disso.
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
Sobre as mandingas da mulata velha

Após um agradável almoço com Fernando Ramos. Acompanhei Nei Lopes até seu hotel localizado na rua Fernando Machado. No trajeto, que incluiu a rua Riachuelo e a Borges o compositor carioca mostrou-se muito simpático, observava com atenção as ruas do centro, seus passos eram curtos, porém firmes. Naquele breve trajeto conversamos um pouco sobre seu livro “mandigas”, como ele se referiu, depois externou sua preocupação de não haver dentro da literatura brasileira, nenhum livro que representasse os negros adequadamente, fez apenas uma ressalva; a de que o livro Josué Montello “Os tambores de São Luiz”. “seria um livro que fugiria dos estereótipos”. Sua preocupação vai na linha de que mesmo na ficção contemporânea a representação do negro continua estigmatizada, sempre associada a violência e a miséria, com o argumento de que é a “realidade”, mas Nei Lopes complementou “pode ser a realidade mas não é a única”. Neste mesmo trajeto cumprimentei-o pela bela composição de “Samba do Irajá”, Nei contou que certa vez, quando gravou este samba com Chico Buarque, Chico disse ter sentido um arrepio, algo que não sabia explicar, tamanha era a beleza do samba.
Embora pouco conhecido entre os gaúchos, Nei Lopes é dono de uma ampla produção musical de qualidade e sofisticação. Além disso, Nei possui parcerias com Djavan, Milton Nascimento, Gilberto Gil, Ed Mota, João Bosco, entre outros. Tendo uma extensa produção teórica centrada na cultura afro-brasileira, com mais de 20 livros publicados (entre eles a ambiciosa Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana), Nei Lopes esteve em Porto Alegre para lançar seu primeiro romance “Mandingas da mulata velha na cidade nova”, pela editora Língua Geral, durante o Festipoa.
“Mandingas” merece ser saudada porque é uma obra peculiar, já que se propõe a transportar o leitor para dentro de um Rio de Janeiro mitológico, como bem coloca o escritor Alberto Mussa, no prefácio do livro. O cenário ambientado em plena Praça Onze, ou seja, no berço do samba, abrange o período de 1870 a 1930 e está repleto de baianas, batuques, blocos de carnaval e manifestações religiosas. O autor põe nesta cidade mítica personalidades centrais que constituíram a identidade carioca, como por exemplo, Catulo da Paixão Cearense, José do Patrocínio, André Rebouças, João Candido, Sinhô e muitos outros.
Aliás, é interessante observar que a imagem de Honorata é construída por diferentes relatos, desde os mais eruditos até os relatos da “gente do povo”. No caso dos mais eruditos, os termos etimológicos e técnicos contidos nas falas dos personagens são explicados de modo quase didático, mas sem subestimar o conhecimento do leitor. Além disso, o autor acerta no tom da narrativa ao produzir efeitos de humor em algumas cenas.
Nesta ficcionalização histórica, Nei Lopes lança mão de um vigor teórico consistente sobre a cultura brasileira e africana, demonstrando o jogo sincrético entre as religiões do Candomblé, do Catolicismo e da cultura Mulçumana.
Deste modo, “Mandingas da mulata velha na cidade nova” também se propõe a refletir sobre as influências islâmicas reproduzidas no complexo mundo religioso carioca. É, portanto, uma investigação das heranças muçulmanas, heranças essas que construíram os mitos fundadores da religião de matriz africana no Brasil. Não é a toa que Nei Lopes evoca a Guerra dos Malês ocorrida em 1835, escravos negros que sabiam a língua árabe e liam as suras do Alcorão. Assim como coloca personagens recitando belas passagens do Livro Sagrado, também critica a distorção da cultura islâmica e promove um regresso primoroso as origens identitárias do Brasil profundamente marcadas pela diáspora africana.
Enfim, “A mulata velha”, esta grande metáfora da Bahia, reconstitui, como o próprio narrador afirma, uma “África em miniatura” dentro da cidade nova. É o repórter Costinha (ou Diga Mais) que nos conduz nesta investigação pelas ruas do Rio de Janeiro, nesta busca pela ancestralidade da cultura não só carioca, mas, sobretudo, da cultura brasileira. Esperemos a volta deste “mandiga” para ter a oportunidade de solicitar a ele que “Diga mais”.
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
Breve reflexão sobre o abandono
O poeta Manoel de Barros em sua obra “livro sobre nada” exemplifica o que estou tentando dizer. Em algum poema ele disse: “Um vaso abandonado pode um dia milagrar violetas” ou ainda “o abandono me protege”, isto é, as coisas sem utilidade social servem para a arte e para poesia, pois, é o abandono das coisas que protegem o poeta e o artista da banalidade social.
Ontem mesmo, ao observar um relógio com os seus ponteiros parados, comprovei isso. Fiquei poeta; percebi que um relógio estragado é uma afronta, é um protesto contra o tempo inventado pelos homens, porque cada silêncio de um ponteiro parado é uma elegia às horas mortas. Um relógio estragado ilude o atraso, dói o tempo. Exerce eternidade.
Ao iniciar uma aula de literatura, em uma turma nova, sempre faço a seguinte pergunta; “para que serve literatura? Qual a utilidade de um poema?” Há um silêncio inicial. Depois, alguns poucos tentam provar que a literatura ou um poema servirão para alguma coisa no futuro. É neste momento que digo colocando um tom grave em minha voz: ”pois querem saber? Tanto a literatura quanto um poema não servem para nada”. Então, todos se sentem incomodados com minha resposta, mas continuo: “Sim, não servem para nada, mas servem para tudo”. E quando tenho total atenção de todos, explico que a poesia não tem função social, não é como uma nota de dinheiro, não é um liquidificador. Neste sentido, poesia não tem utilidade nenhuma. No entanto, é ela que revela o mundo, tudo aquilo que os cientistas querem provar com suas teses e pesquisas o poeta já sabe há muito tempo. Só o poeta e o artista conseguem ver a vida. Só eles conseguem tocar seus próprios limites, pois, conhecem todas as solidões, profundezas e as angústias humanas.
Mas voltando aos livros, sempre que compro um livro não penso em que ele me poderá ser útil. Faço outro raciocínio; penso em como poderei vivê-lo, senti-lo, porque viver um livro é muito mais necessário e importante do que encontrar-lhe uma utilidade. Busco, em última instância, a sabedoria primordial, aquela que se esconde no fundo das coisas impalpáveis. Ao ler um livro não tenho um objetivo aparente, meu objetivo é subjetivo. Em livros técnicos, quando bem escritos, encontramos uma frase tão bela e significativa quanto a metáfora de um poema.
Portanto, é no abandono da utilidade que encontramos o milagre da poesia, conhece-se, enfim, as coisas que estão nas entrelinhas do horizonte e na lucidez de um livro.
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
É sobre estas palavras guardadas que o conto a seguir vai tratar.
O leitor, se tiver paciência, vai encontrar a cada semana uma parte do conto.
Eis o primeiro trecho:
Walt Whitman
Há muitas maneiras de se guardar um passado. Cada um guarda de um jeito. Tem gente que guarda fotos, jóias de família, roupas. Eu não, eu guardo palavras, não em palavras escritas mas em palavras vivas, dessas que a gente adormece no corpo para acordá-las quando precisamos viver um passado. Não vou mentir, também tenho essas coisas de objetos, mas é diferente pois eles não servem para serem guardados. Os objetos servem só para gente lembrar, não para viver. Agora, o que eu posso lhe adiantar é que meus acontecimentos não mudaram o mundo Se ao senhor interessa uma vivência assim; sem importância; posso então dizer que minha vida não teve fortunas. Talvez minha travessia seja apagada depois que lhe contar esta história, pois são estas palavras guardadas é que sustentam minhas pernas. Minha travessia pela a vida é nula. Talvez possa, assim, o senhor, explicar uma vida que nem a minha. Saiba me dizer também para que serve o viver se morte sempre vem. Quando eu morrer, não precisarei deixar cartas explicando meus dias, minha pele diz tudo, meu rosto é minha identidade. Vê, ali, minha mulher no retrato? Pois ela foi antes de mim. O senhor acha que ela precisa de uma carta explicando alguma coisa? A história de uma pessoa cabe nas marcas da pele. Cada vez que um vento bate no rosto, a gente aprende a guardar um passado. Um dia Deus levou minha mulher, pois Deus é assim; nos abençoa uma vida e depois nos arranca para mais adiante plantar de novo dentro da gente, mas Ele planta diferente. Planta a dor, planta saudade. Deus é uma invasão que a gente consente pra se acostumar com a tristeza. A tristeza é um jeito conformado de sentir a dor. Por isso que eu prefiro o desespero. Ora, o desespero ainda é um grito contra o irremediável, ainda é um protesto. Desespero é coragem.