quinta-feira, 26 de maio de 2011

A minha estrela da manhã

Esta manhã acordei lúcido como quem passou a noite num deserto.

Minha febre alta, devido à gripe, me fez sofrer alucinações pela madrugada. Senti-me com se estivesse dentro do conto “Sur” do Borges.

Acordei lúcido porque as manhãs são sempre lúcidas. A cada dia que passa, percebo que a lucidez pode ser um dom ou talvez um castigo, porque quando nos tornamos lúcidos é preciso saber que isso é para sempre.

A partir daí, a vida não perdoa mais nossa desatenção. Portanto, é necessário aprender a tristeza desde cedo. Por outro lado, creio que não há um tempo particular para conhecer a dor, justamente porque a vida não escolhe idade quando quer doer.

Esta manhã, ficou mais claro para mim que só a dor e a lucidez nos tornam mais atentos para a vida. A aprendizagem do desgosto nos prepara pra sermos lúcidos. Desde cedo conheci o sofrimento. Eu não sabia, mas conhecer a dor precocemente era um modo de não ser pego de surpresa. Pois quando surgem aquelas situações limites em que é preciso optar entre sucumbir ou endurecer, a dor e a lucidez te mandam à merda e você só pode endurecer porque sucumbir é pouco quando se pretende algo na vida.

Esta manhã lembrei que quando completei 13 anos, acordei estranhamente. Quero dizer que quando acordei parecia que as cores haviam desbotado, todas as cores me pareceram opacas. Minha mãe me levou ao médico, acharam que eu tinha alguma espécie de daltonismo. Após os exames, o médico disse que eu não tinha nada. Anos mais tarde compreendi que eu havia sido, na verdade, acometido pela dor da lucidez. Desde então minhas paisagens beiram ao cinza, embora eu saiba distinguir as cores, há sempre algo de triste nas coisas que vejo.

Esta manhã compreendi que a lucidez precisa das palavras. Toda a tragédia humana passa pela palavra ou pelo silêncio. A gente só conhece a lucidez quando entendemos luz da manhã, creio que nenhuma outra luz possa ser tão lúcida. As manhãs não foram feita para crer, as manhãs foram feitas para desconfiar.

As missas, as orações, as preces não deveriam ser feitas pela manhã. Não se acredita em Deus pela manhã. Só a noite é capaz de guardar segredos. Todos os mistérios são engendrados na força da noite. A manhã não guarda segredos, porque ela os revela. Nenhuma ressaca acontece durante a madrugada. A luz da manhã é filosófica.

Ultimamente, tenho lutado para ser um homem das manhãs. Anseio pelo noite, anseio pelos sonhos e também pelos assombros dos meus pesadelos. Mas é pela manhã que retorno a mim. É pela manhã que meus sentidos se desvelam e se refazem.

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