quinta-feira, 10 de março de 2011

Mergulho em mar aberto

Eu tinha doze anos quando vi o mar pela primeira vez. Embora tenha nascido no Rio de Janeiro e sido criado em Copacabana, vi o mar tardiamente. Além disso, tive o privilégio de estudar numa escola que ficava de frente para o mar. Desde muito pequeno minha mãe sempre me levava à praia. Entretanto, eu não via o mar. O mar, até então, era para mim, um lugar para brincar, um lugar onde eu exercia minha infância, onde águas serviam para aliviar o calor. No mar, eu imaginava submarinos. Eu era o peixe e o pirata, o marinheiro e o tubarão.
Mas eu não sabia ver o mar.
O sol naquela dia era forte, eu havia matado aula para ir à praia. Fui sozinho. Era cedo, a praia estava um pouco vazia. Tirei a camiseta, o tênis, as meias e entrei correndo no mar. Gostava de fazer isso. Entrar assim, de repente, até perder o fôlego. Até ficar cansado de alegria. Fui vencendo as ondas agitadas. Nunca fui um bom nadador. Mesmo assim, avancei até depois da arrebentação. Lá as águas são tranqüilas. Mas logo em seguida, uma onda forte, dessas que nos atingem duas ou três vezes na vida, me pegou de surpresa. A onda me fez ir ao fundo. Quando voltei á tona, comecei a engolir água. Enquanto tentava tomar impulso para nadar, uma outra onda forte me jogou para o fundo novamente. Cada vez mais eu me afastava da praia, comecei a engolir mais água, me faltava ar. Fiquei cansando. Entrei em desespero, meu corpo parecia ter desistido de continuar. De repente as ondas cessaram. Um silêncio estranho tomou conta de mim. Eu não tinha mais forças para nadar. Apenas insistia com o rosto para fora em busca de mais ar. No entanto, meus músculos estavam dormentes. E lentamente vi o azul do céu fenecer.
Fui resgatado por um surfista. Eu estava consciente. Sai do mar caminhando, tossindo, com náuseas. Sentei na beira da praia. Algumas pessoas ficaram ao meu redor, perguntando se eu estava bem. Onde estavam meus pais. Eu disse que estava tudo bem e que minha mãe já estava chegando. Depois me levantei. Caminhei um pouco, minhas pernas tremiam. Eu chorava um pouco, soluçava. Sentei-me novamente. Olhei firme para o horizonte e foi então que vi o mar pela primeira vez.
Demorei doze anos para que o mar me fosse apresentado. E como um náufrago compreendi que o mar era um abismo, que o mar era um abrigo de precipícios. Um assombro líquido. Território derradeiro das angústias. Na verdade, compreendi que eu estava diante de uma metáfora e que toda a síntese da nossa condição passava pelo mar. Saber de minha pequenez diante daquelas águas, saber de minha fragilidade, me fazia sentir uma espécie de humilhação. Porque toda proximidade da morte é uma ofensa.
Lembro de ter ficado um bom tempo com olhos estendidos sobre o horizonte. Envelheci dez anos naquele dia. Naquela manhã deixei minha infância no mar. Fui obrigado a olhar para ele como um homem. Depois daquele dia, toda vez que ia à praia era como se eu entrasse no mar pela primeira vez. Por diversas vezes tentei continuar minhas brincadeiras de submarino, de piratas. Mas fui envelhecendo com o mar. E não havia mais o que fazer.
Quando encontro dificuldades para escrever, lembro desse dia. Porque preciso sempre me lembrar que na escrita, assim como no mar, temos de enfrentar a eternidade ou a ausência dela. É preciso preservar o fôlego dos náufragos. Porque só se entra no mar com um certo alumbramento nos olhos. O mar é difícil, como a escrita. Escrever é sempre um mergulho em mar aberto.

2 comentários:

Anônimo disse...

Bah, Jeferson, também quase morri no mar e fui socorrida por um surfista,em Saquarema, queria pegar onda sem saber nadar. Só que , na época, tinha 21 anos. Por esse motivo, fui aprender a nadar. Realmente, algumas experiências são muito marcantes e significativas em nossas vidas. Mas são elas que nos fazem ser quem somos. Adorei teu texto.
Bjs.
Cris

Carlos Carreiro disse...

Lembrei de imediato de um trecho de um dos livros do Klink. Se eu não me engano foi o amigo dele, o Hélio que escreveu seguinte:
"Faça tudo, busque o impossível, mas, meu amigo, respeite o mar. O sábio marinheiro sabe que ele jamais venceu uma tormenta, apenas, e tão somente apenas, foi o mar que deixou ele passar"

Abracao